Nos últimos dias, a notícia que tomou conta de todos os meios de comunicação, sem exceção, incluindo Globo, SBT, Folha, Estadão, G1 e qualquer outro grande veículo de imprensa que se possa imaginar, foi sobre a seca histórica no Brasil. A maior da série histórica.
Desde que o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), órgão que faz parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) começou a mensurar e construir uma série histórica, em 1950, a seca mais severa havia sido em 2015, quando o sistema Cantareira, um dos mais importantes reservatórios de água do país, pela fração dos habitantes que abastece, responsável por atender a Grande São Paulo, quase colapsou, chegando ao que ficou conhecido como “volume morto”, ou seja, uma quantidade tão pequena de água, que precisou de bombas hidráulicas para puxar água de outros sistemas e continuar a abastecer a região.
Porém, a estiagem de 2024 já entrou para a série, como a maior da história e dessa vez, os efeitos poderão ser sentidos muito além da sua torneira.
EFEITOS PRINCIPAIS E SECUNDÁRIOS:
Os principais efeitos das secas e períodos de estiagens, já são conhecidos. Rios secam, impedem a navegação em áreas como a bacia hidrográfica amazônica, um problema que isola comunidades inteiras de serviços essenciais, como atendimento médico; milhões de toneladas de peixes morrem, causando prejuízos à nutrição e comunidades ribeirinhas que têm na pesca o principal setor econômico de subsistência e espécies da fauna silvestre, como botos e jacarés morrem por conta do aquecimento da água e pela escassez de alimentos.
Em terra firme, vegetações secam e comprometem a capacidade de todas as espécies de animais, como macacos, onças, antas e preguiças de se protegerem do calor e conseguirem alimentos, além de facilitar a propagação de incêndios causados pela ação humana, levando à destruição de áreas florestais gigantescas e até à carbonização dessa fauna desprotegida.
Todos esses problemas acima citados já são muito graves e cada vez que se repetem, acumulam um prejuízo ambiental que agrava o cenário nas estiagens seguintes, simplesmente porque a natureza não consegue se regenerar de um ano para o outro. Porém, dessa vez, como já era esperado, o problema alcança outras dimensões e se antes a seca de grandes rios Amazônicos já era capaz de impressionar quem conhece aquela que é a maior bacia hidrográfica do MUNDO, agora o desastre pode chegar ao bolso de todos nós, inclusive das maiores empresas, justamente as maiores consumidoras de água e energia.
Ao todo, em agosto, 70% das cidades brasileiras enfrentaram algum grau de seca, sendo 201, concentradas principalmente no Centro-Oeste, sede do agronegócio brasileiro onde causa e consequência se sobrepõem.
VÍTIMA DOS PRÓPRIOS HÁBITOS:
Por um lado, o agronegócio é o maior responsável pelas mudanças climáticas no Brasil, graças à monocultura, ao lobby promovido pela maior bancada do congresso em desfavor das regulações ambientais e à gigantesca produção de gado, uma das culturas que mais emitem metano, um dos gases com piores efeitos para o aquecimento global, por sua dificuldade de ser capturado. Por outro lado, é também o agro o maior responsável por destruir florestas e principalmente matas ciliares, existentes no entorno de rios e lagos, geralmente onde se mantêm as nascentes d´água. A exclusão dessa cobertura vegetal tira a capacidade do solo de preservar as nascentes e manter a umidade dos biomas. Além de prejudicar a biodiversidade local.
Paradoxalmente, o agronegócio também é um dos setores mais afetados, já que estiagens muito longas prejudicam as culturas que estavam em processo de crescimento que podem secar ou queimar, antes da colheita; e prejudica as primeiras etapas do plantio da próxima safra, que demandam muita água para germinar as sementes. Do ponto de vista mais estrutural das mudanças climáticas, o agronegócio também pode ter problemas com os ciclos de chuvas, cada vez mais instáveis, alternando entre secas severas e chuvas excessivas, como aconteceu no Rio Grande do Sul, no começo de 2024, onde não sobrou nada das safras ainda não colhidas. Seca mais do que deve e molha mais do que o solo é capaz de absorver em um ciclo prejudicial a qualquer tipo de negócio ou sobrevivência local.
Embora o Estado brasileiro tenha políticas de mitigação dos riscos dos empresários do setor, com seguros para as safras perdidas e financiamento com subsídios de 90% dos juros para o setor, através do Plano Safra e financiamento de equipamentos agrícolas pelo BNDES, é preciso entender que não se trata de uma questão financeira, mas sim, sistêmica. O agronegócio precisa dar mais ouvidos às ciências, ser ambientalmente mais sustentável e se comprometer com as boas práticas. É necessário extinguir a estratégia de queimadas para “limpar o campo”, preservar faixas de matas nativas ainda maiores do que a legislação obriga, sob o risco de serem inviabilizados por uma possível desertificação do serrado e imprevisibilidade completa dos ciclos de chuva que poderia esgotar de uma vez as reservas hídricas da região e inviabilizar a agricultura, tão dependente de ciclos meteorológicos consistentes e previsíveis.
IMPACTOS NO SEU BOLSO:
Eu, você e todos os cidadãos estamos prestes a sermos impactados profundamente por essas mudanças climáticas – algo também já previsto há anos – mas dessa vez os impactos serão sentidos com mais facilidade.
Uma das novidades do relatório do CEMADEN, é a presença de dois estados do sudeste, a região mais habitada do país, dentre os municípios com secas graves. São 82 municípios de São Paulo e 52 de Minas Gerais. Ao se prolongar essa situação, poderá faltar vários tipos de alimentos, como frutas e hortaliças na mesa de uma parcela significativa dos brasileiros. E, ainda que esses alimentos não faltem completamente, o que é muito difícil de acontecer, é consenso que o impacto no preço desses alimentos, principalmente os de valores nutricionais mais altos, como as leguminosas e frutas, será alto.
Com a redução da disponibilidade de águas nos reservatórios, o preço de da conta de água e de luz, podem subir. Em 2023, aproximadamente 55% da energia consumida no Brasil foi produzida por hidrelétricas, logo, a redução dos reservatórios implica na substituição por gerações mais caras e mais poluentes, como as termoelétricas e o aumento do preço dessa energia.
Isso é perceptível diretamente na conta de luz, mas sentiremos também indiretamente na indústria, que utiliza energia para resfriar ambientes e produtos, iluminar parques fabris, manter seus maquinários e datacenters funcionando. Todo o setor produtivo utiliza energia, logo, qualquer aumento no preço da energia, gera uma pressão inflacionária em todos os produtos e serviços que consumimos diariamente. Desde os alimentos processados, até os remédios mais banais.
O QUE PODE SER FEITO?
O primeiro ponto é entender que o comprometimento pessoal de cada um, é necessário, porém, faz pouco efeito no mundo. Explico: Há 15 anos eu separo meu lixo, há 12 anos não tenho carro, há 10 adoto um estilo de consumo minimalista, ou seja, não compro nada sem ter a real necessidade de comprar; e há 5 anos tirei todos os tipos de carne da minha dieta cotidiana e além de preservar milhares de litros d´água e reduzir minha culpa pelas toneladas de gás de metano lançados na atmosfera pela pecuário, principalmente na cultura de bovinos, minha saúde melhorou muito com isso – apesar de eu não ser vegano, porque em eventos sociais como carnes. Independentemente disso, nada melhorou no mundo por eu ter adotado (ou abandonado) tais hábitos.
Sim, não há como negar que é importante que nos conscientizemos, porque a formação de uma grande massa de consumidores com hábitos sustentáveis e olhar crítico, é plenamente capaz de gerar mudanças mercadológicas profundas, porque quando muda a demanda, muda também a forma de produção. Mas para isso, é importante que a educação científica seja prática e emancipatória.
As crianças precisam desde a primeira infância conviverem com a lógica das ciências para adquirirem hábitos melhores, para quando se tornarem adultos economicamente ativos, poderem fazer escolhas de consumo mais conscientes; para que, em se tornando empresários, sejam responsáveis com os modos de produção e deem conta da redução de uso de recursos naturais e lidem bem com os resíduos, através da economia circular; e caso se tornem representantes políticos da nação, sejam capazes de legislar e colocar o interesse ambiental público acima dos desejos e lucros privados, completamente diferente de como é feito hoje.
O Prêmio PIEC, criado em 2020, desde sua ideação ambiciona fomentar a prática precoce da ciência no ambiente escolar, com o objetivo de tornar a compreensão científica mais fácil pela proximidade dos estudantes com o método, a partir do início da infância. Como tudo na vida, quanto maior a familiaridade com um tema, maior se torna a compreensão em torno desse tema.
É um longo processo de mudança. Se começarmos agora, as próximas 3 gerações poderão promover uma mudança significativamente relevante, mas se demorarmos muito, o planeta poderá chegar a um ponto de não retorno. E então, nada mais poderá ser feito.
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